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O Excesso de Advogados e Faculdades de Direito no Brasil: Um Problema Sistêmico

  • Foto do escritor: Pedro Roberto Donel
    Pedro Roberto Donel
  • 19 de nov. de 2024
  • 4 min de leitura

O Brasil vive uma situação singular no cenário mundial: é o país com o maior número de faculdades de Direito e um dos que mais formam advogados por ano. Atualmente, há mais de 1.800 cursos jurídicos no país, quantidade que supera a soma de todos os cursos de Direito do resto do mundo. Para se ter uma ideia, os Estados Unidos, que possuem uma economia muito maior e um mercado jurídico igualmente amplo, têm cerca de 200 faculdades de Direito. Essa discrepância reflete uma distorção grave no sistema educacional e no mercado jurídico brasileiro, gerando impactos negativos na profissão e na sociedade.



1. A Superlotação do Mercado Jurídico


O número crescente de advogados no Brasil ultrapassou, há muito, a capacidade do mercado de absorvê-los. Hoje, o país possui mais de 1,3 milhão de advogados inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), além de um número ainda maior de bacharéis que não obtiveram aprovação no exame de Ordem. Essa situação cria uma competição predatória, que resulta em honorários cada vez mais baixos, precarização das condições de trabalho e um cenário de instabilidade financeira, especialmente para os novos profissionais.


O excesso de profissionais também prejudica a percepção social da advocacia. Com tantos advogados no mercado, a qualidade dos serviços prestados é impactada, pois muitos formados não tiveram acesso a uma formação jurídica de qualidade. Isso alimenta uma cadeia de desconfiança em relação à profissão, desvalorizando ainda mais o trabalho do advogado.


2. O Papel das Faculdades de Direito


O Brasil enfrenta uma proliferação desenfreada de faculdades de Direito, muitas das quais carecem de infraestrutura, corpo docente qualificado e projetos pedagógicos sólidos. O Ministério da Educação (MEC), embora tenha critérios para autorizar e avaliar cursos, frequentemente deixa lacunas na fiscalização. Essa permissividade cria uma “indústria do diploma”, na qual as instituições se concentram em formar o maior número possível de alunos, sem garantir que eles tenham condições de exercer a advocacia com excelência.


A lógica de mercado aplicada à educação jurídica no Brasil é um dos grandes problemas. A ideia de que a qualidade das faculdades seria determinada pelo mercado mostrou-se ineficaz. Diferentemente de outros setores, na educação, os efeitos do excesso não se corrigem automaticamente. Pelo contrário, perpetuam um ciclo de baixa qualidade, onde o único prejudicado é o próprio profissional e a sociedade que ele deveria atender.


3. Comparação com Modelos Internacionais


Nos Estados Unidos, país frequentemente citado como exemplo de economia de mercado, o número de vagas em faculdades de Direito é rigidamente controlado. Isso garante que o mercado jurídico tenha uma relação equilibrada entre oferta e demanda, permitindo melhores condições para os profissionais e assegurando qualidade nos serviços prestados. O Brasil, em contraste, não só tem uma quantidade excessiva de cursos, como também forma profissionais muito acima da capacidade de absorção do mercado.


Outro exemplo é a Europa, onde muitos países possuem exames rigorosos de ingresso e controles rígidos sobre a abertura de novos cursos de Direito. Esse modelo contribui para a valorização da advocacia e para a manutenção de um padrão elevado de qualidade nos serviços jurídicos.


4. O Papel da OAB e a Regulação Necessária


A OAB tem um papel fundamental nesse cenário, mas também carrega responsabilidades pelo problema. Com o aumento do número de faculdades e bacharéis, cresce a arrecadação da Ordem, tanto por meio de anuidades quanto pelas taxas do exame de Ordem. Essa situação gera um evidente conflito de interesses, já que limitar o número de cursos ou impor critérios mais rígidos para a formação jurídica reduziria a arrecadação.


Uma solução plausível seria a OAB atuar junto ao MEC para:

• Congelar a abertura de novos cursos de Direito por um período de 10 anos;

• Fechar instituições que não atendam a critérios mínimos de qualidade;

• Implementar limites no número de vagas em faculdades existentes, baseando-se na demanda do mercado jurídico.


5. Consequências do Excesso e a Valorização da Advocacia


O excesso de advogados e de cursos de Direito afeta diretamente a valorização da advocacia. Honorários baixos, dificuldades para conquistar clientes e uma percepção social negativa são reflexos diretos desse problema. Para muitos, a advocacia, que deveria ser uma profissão de prestígio, tornou-se sinônimo de instabilidade e frustração.


Essa realidade também impacta a sociedade, pois a formação de profissionais despreparados compromete o direito de acesso à Justiça. Uma advocacia desvalorizada resulta em um sistema jurídico mais frágil e menos eficiente, com prejuízo direto para os cidadãos que dependem de serviços jurídicos de qualidade.


6. Propostas de Regulação


Assim como países da OPEP regulam a produção de petróleo para equilibrar oferta e demanda no mercado internacional, o Brasil deveria aplicar o mesmo raciocínio à educação jurídica. Diminuir a quantidade de cursos e profissionais formados não é apenas uma questão de mercado, mas de qualidade e sustentabilidade da profissão. Algumas propostas que poderiam ser levantadas incluem:

• A criação de critérios rigorosos para a abertura e funcionamento de cursos de Direito, com avaliações periódicas do MEC;

• A regulação do número de vagas oferecidas, considerando a capacidade do mercado em absorver novos profissionais;

• Incentivos à especialização e diversificação da formação, para áreas menos saturadas.


7. Conclusão


O excesso de advogados e faculdades de Direito no Brasil é um problema que exige uma abordagem sistêmica e regulatória. Propostas como o congelamento de novos cursos, o fechamento de instituições de baixa qualidade e a regulação do número de vagas são medidas urgentes para valorizar a advocacia e garantir serviços jurídicos de qualidade para a sociedade.


Se não enfrentarmos esse desafio com seriedade, o mercado jurídico continuará em declínio, prejudicando tanto os profissionais quanto os cidadãos que dependem de um sistema de Justiça eficiente. É hora de repensar o futuro da advocacia no Brasil e adotar medidas que promovam um equilíbrio saudável entre qualidade e quantidade.

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